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Foto: Flavio Andre / Mtur


Alberto Silva

Agosto/2021


Introdução


O Brasil vive um momento extremamente difícil, com as crises sanitária, econômica e social se retroalimentando. A superação da crise sanitária depende das medidas de prevenção e vacinação. As crises econômica e social demandam soluções mitigadoras, mas, para além disso, transformadoras, para superar os problemas que já existiam e sobre os quais a crise sanitária jogou luz e agravou. Dentre eles o esvaziamento dos centros das cidades do ponto de vista habitacional e econômico.


Esta questão, assim como a trajetória das políticas habitacionais no país, tem sido objeto de vários estudos. De modo geral, eles destacam que ambas estão relacionadas com o modelo de desenvolvimento urbano e econômico do país. Parto dessa problematização com base em alguns autores para tratar sobre as possibilidades de uma política de locação social contribuir para enfrentar o problema habitacional e para a retomada das áreas urbanas centrais. Trato especificamente sobre alternativas para implantação de empreendimentos voltados para um programa de locação social, com utilização de imóveis públicos e incentivos urbanísticos, fiscais e edilícios.


Esta análise não esgota o debate necessário sobre a construção de uma política de locação social. Por exemplo, não trato aqui sobre aspectos relacionados à gestão social do programa e das relações contratuais entre obrigações contratuais dos locatários e direito ao acesso à moradia, que podem impactar sobre questões como inadimplência e custos operacionais do programa. Também é necessário considerar os eventuais impactos de um programa de locação nas áreas centrais para a cidade como um todo, de modo que ela possa contribuir para um desenvolvimento urbano mais equilibrado. Ainda assim, espero que, ao tratar sobre a questão da implantação de um programa, ela possa contribuir para despertar o debate e apontar caminhos possíveis.


Assim, na primeira parte, trato brevemente sobre o esvaziamento dos centros urbanos e políticas habitacionais do ponto de vista histórico e no contexto da pandemia de covid 19. A segunda parte é uma reflexão sobre desafios para reverter a situação. Na terceira, apresento um resumo de estudo que fiz para a prefeitura de Campo Grande para um programa de locação social para o município, em seguida apresento ideias para outras possibilidades para compor um programa de locação social e, por fim, algumas considerações.


Centros urbanos e habitação


As áreas urbanas centrais das cidades brasileiras, se caracterizam por concentrar empregos e possuir poucos moradores, fruto de um modelo de urbanização praticado desde meados do século XX (Santos et. Al. 2017; Costa, 2017; Abramo, 2007).


Esta situação perdura no início do século XXI conforme demonstra estudo feito por Vanessa Gapriotti Nadalin, Bernardo Alves Furtado e Matheus Rabetti (2018). Os autores analisam a dinâmica locacional intraurbana populacional, entre 1991 e 2010, e de empregos, entre 2002 e 2013, na as 12 maiores regiões metropolitanas brasileiras. O estudo se baseia “nos conceitos de ‘áreas centrais de referência’, historicamente construídas e usualmente denominadas de ‘centro’; e delimitação de ‘centralidades’, definidas a partir da análise das concentrações de alta densidade de empregos construídas neste trabalho” (Nadalin, Furtado e Rabetti, 2018, p.3).


O estudo aponta que, guardadas diferenças, as áreas centrais históricas perderam população no período 1991 – 2000 com recuperação no período posterior (2000 – 2010), sem, no entanto, terem retornado os níveis anteriores a 1991 (p. 11). A análise da concentração de empregos no período 2002 – 2013, mostrou que houve deslocamentos de antigas centralidades e surgimento de novas, afetando, sobretudo os centros históricos. (p. 13).


Essa situação, e suas implicações, é ilustrada no texto para discussão Desigualdades Socioespaciais de Acesso a Oportunidades nas Cidades Brasileiras – 2019, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2020. Os autores analisam as desigualdades de acesso a oportunidades em relação à saúde, ensino e emprego nas 20 maiores cidades brasileiras, considerando diferentes tipos de meio de transporte. Eles utilizam o indicador Razão de Palma, calculado como “o quociente entre a acessibilidade média dos 10% mais ricos da população e a acessibilidade média dos 40% mais pobres (esse indicador é estimado utilizando-se a acessibilidade média ponderada pela população)” (Pereira et al, 2020, p 34).


O estudo demonstra concentração de empregos em áreas centrais como um padrão. Num dos exercícios, foi considerado o acesso ao emprego em até 30 minutos de caminhada para os dois grupos de renda. Os resultados mostram que a parcela mais rica da população tem maior acesso aos empregos em todas as cidades. Em São Paulo, a Razão de Palma fica acima de 9, o maior índice dentre as 20 cidades. “Isso significa que o número de empregos acessíveis pelos 10% mais ricos da população em São Paulo é mais do que nove vezes maior do que o número de empregos acessíveis por todos dos 40% mais pobres”. Em segundo lugar está Belo Horizonte, onde o índice fica próximo de 7. Campo Grande, aparece em terceiro, acima de 6. O menor índice, próximo de 2, é verificado em Maceió, Os autores alertam que estes índices são influenciados pelas dimensões, população e características espaciais das cidades (op. cit p.34). Mesmo tomando em conta essas ressalvas, a grande desigualdade de acesso a empregos está relacionada à concentração dos empregos nas áreas centrais, à distribuição da renda e a dispersão da população, sobretudo de baixa renda pelas periferias das cidades.


As políticas de Habitação de Interesse Social (HIS) brasileiras, contribuem para esta situação. Elas, historicamente, se baseiam na transferência ou venda subsidiada de unidades construídas nas periferias das cidades para as populações de baixa renda. Com isso, essas populações são levadas a moram longe dos lugares que concentram as oportunidades de emprego e renda, tanto no setor formal, quanto no informal (Santos et al, 2017; Costa, 2014; Ribeiro, 2013, Pequeno, 2008).


A crise sanitária jogou luz sobre este fenômeno e acirrou a situação com a redução das atividades de comércio e serviços e a consequente perda de postos de trabalho, grande parte, de baixa remuneração.


Por conta da crise sanitária, muitas empresas adotaram ou ampliaram a prática do trabalho remoto (ou home office). Este fato tem levado à suposição que mesmo após a pandemia esta prática deverá perdurar, (Foroohar, 2021; Traves, Dilan e Lucy, 2021; Davis, 2021; Secovi Rio, 2021). Ainda há muitas dúvidas sobre qual será a dimensão e o impacto destas tendências de adaptação das relações de trabalho sobre o mercado imobiliário, sobretudo nas áreas centrais, que abrigam grandes edifícios de escritórios. Confirmada, haveria também impacto sobre a dinâmica das áreas centrais, pois, além de pouco moradores, passaria a assistir uma redução do número de trabalhadores também. Essas áreas que se caracterizavam pela baixa densidade de moradores, agora perdem também vitalidade econômica. Entretanto, no momento, é difícil prever como será o mundo pós- pandemia.


Esta situação tende ao menos a se estabilizar com a superação da crise sanitária e se reverter de modo mais ou menos acelerado, a depender da evolução do conjunto das atividades econômicas. No entanto, o problema estrutural da baixa densidade populacional das áreas centrais precisa ser enfrentado.


Nesse contexto é necessário e oportuno traçar estratégias de saída para as crises econômica e social, considerando as possibilidades para a promoção do adensamento das áreas urbanas centrais com população das várias faixas de renda. A viabilização de moradia adequada e acessível por meio de uma Política de Locação Social pode contribuir para reverter esse quadro.


Os desafios


Atrair moradores para as áreas centrais constituiu um desafio que pode ser caracterizado em duas grandes dimensões. Há uma dimensão cultural, pois seria necessário reverter a visão do centro somente como local de trabalho. Neste caso, o fato de os centros urbanos, além de concentrar empregos, costumarem abrigar muitos equipamentos culturais e serviços, pode contribuir para apresentá-los aos que ali trabalham como atrativos para moradia. Este argumento, juntamente com a redução do tempo gasto entre casa e trabalho, pode ser um bom ponto de partida para mudar a percepção sobre as áreas centrais.


Mas há outra ordem de desafio, que implica em ampliar a oferta de moradia nas áreas centrais. Tanto em quantidade, quanto do ponto de vista dos preços dos imóveis, que tendem a ser elevados. Isto, necessariamente não seria um problema para os segmentos de renda média e superior. No entanto, os altos preços praticamente impedem o acesso por parte considerável dos trabalhadores destas áreas, que recebem baixa remuneração - muitos atuando no mercado informal – a não ser em ocupações informais.


Uma das formas de promover o acesso destes trabalhadores à moradia adequada e a preço acessível em áreas centrais seria por meio de um Programa de Locação Social. Esta política pública é prevista na legislação sobre habitação no Brasil, embora pouco utilizado. De fato, ela representa a possibilidade de colocar em prática o princípio estabelecido na Constituição Brasileira, em seu artigo sexto, que define a moradia como um direito que não se limita e nem se confunde com o direito de propriedade.


Dadas as suas atribuições em relação a gestão urbana, os municípios se apresentam como ente da federação mais bem qualificados para implantação e gestão de um programa deste tipo. Cabe aos municípios estabelecer instrumentos urbanísticos e edilícios e fiscais que possam estimular a produção habitacional nas áreas centrais, bem como promover ações que recuperem, valorizem e ampliem os espaços públicos, culturais e de lazer destas áreas de modo adequado e atrativo para moradores, levando em conta aspectos ambientais, de mobilidade, renda, idade, etnia e gênero.


Para os municípios, um dos grandes desafios para um Programa de Locação Social se refere ao montante de subsídios necessários para sua implantação e operação. Buscar soluções que possam reduzir esse volume é fundamental.


A seguir, apresento uma análise de possibilidades para uma política deste tipo sob o ponto de vista da mobilização de recursos como bens imóveis públicos e incentivos urbanísticos, edilícios e fiscais para sua implantação e operação. Na parte seguinte, trato brevemente sobre o potencial de aproveitando da eventual redução da demanda e da ocupação de imóveis corporativos para incentivar a produção e oferta de moradias em áreas centrais.


Estudo de pré viabilidade para Campo Grande MS


Como apontado acima, Campo Grande apresenta um dos maiores índices de desigualdade espacial em relação ao acesso a oferta de emprego dentre as 20 maiores cidades brasileiras. Possibilitar moradia adequada e a preço acessível para população de baixa renda na área central, que concentra a maior oferta de empregos da cidade mostra-se como um caminho para melhorar essa relação.


Um estudo de pré viabilidade institucional e econômica feito para a Prefeitura de Campo Grande, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), testou a viabilidade de um programa de locação social, com foco em áreas centrais. Ele buscou explorar modelagens institucionais onde a governança e gestão do programa ficariam a cargo do poder público, no caso de Campo Grande, por meio da Agência Municipal de Habitação e Regularização Fundiária (AMHASF) e a implantação e operação por meio do setor privado ou de organizações sem fins lucrativos.


O estudo tomou com base a utilização de bens imóveis públicos como ativos e no conceito de uso misto – multiuso e multi-renda familiar, buscando formas de redução de recursos públicos na fase de investimentos e/ou de operação, com a atração do setor privado. Os bens imóveis públicos seriam utilizados em Permutas, contraprestação pública em PPP, Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) ou Incorporação em Fundos de investimento imobiliário (FII), para redução de investimentos (CAEX) para implantação de empreendimentos. O conceito de uso misto permitiria a diversificação e ampliação de receitas, contribuindo para a redução do volume de subsídios na fase de operação (OPEX).


A definição do público-alvo para locação social tomou como referência a classificação de grupos de renda estabelecidos pelo Programa Casa Verde e Amarela. No entanto, mantendo um recorte com as famílias com renda de até um salário-mínimo, uma vez que esta é a parcela da população mais afetada pelo o déficit habitacional no Brasil. conforme demonstrado pelo estudo publicado pela Fundação João Pinheiro em 2020 sobre déficit habitacional no Brasil no período 2016 a 2019. Desse modo, foram definidos os seguintes grupos:


· Grupo A – famílias ou pessoas com renda de até 1 SM

· Grupo B – famílias ou pessoas com renda de 1 SM até 4 mil reais

· Grupo C – famílias ou pessoas com renda entre 4 e sete mil reais


Foram consideradas como renda média aquelas famílias com rendimento igual ou superior a sete mil reais mensais.


O estudo foi baseado em um projeto hipotético para um terreno real, pertencente à prefeitura, localizado na área central de Campo Grande. O projeto consistiu-se em um empreendimento com seis prédios, de oito andares cada, com lojas no andar térreo e nove unidades residenciais, sendo três studios, duas unidades de um quarto e quatro de dois quartos. Totalizando 324 unidades residências e 36 lojas. As vagas de estacionamento ocupariam parte das áreas livres entre os prédios. As diferentes tipologias e sua distribuição visam atender a diversidade de composição familiar a ser atendida tanto o público-alvo para locação social, quanto para o público de renda média.


O custo estimado de construção do empreendimento foi de R$ 51.799.651,20, com base no Índice de Construção da Prefeitura Municipal de Campo Grande para agosto de 2020. Quanto aos custos de gestão e administração, incluindo a gestão social, devido a ausência de referências, foi utilizado o gasto mensal da AMHASF com estas atividades, que representam um percentual de 3% do orçamento seu mensal para 2020, que corresponde a R$ 57.135,00. Do mesmo modo, pela ausência de referenciais, os custos de operação e manutenção do empreendimento foi estimado em R$ 15.000,00 por prédio, totalizando R$ 90.000,00 para os seis prédios do empreendimento. Os resultados. Foi considerada a cobrança de impostos federais e a isenção de tributos e taxas municipais. Os resultados do exercício são sintetizados na tabela 1.


Para as estimativas de receita, o preço da locação social e da taxa condominial foram estabelecidos, respectivamente em 10% e 7,5% do salário-mínimo para uma unidade de dois quartos, representando um comprometimento de 17,5% da renda das famílias com um salário-mínimo. Este percentual considera que a família teria ainda outros gastos com moradia, como água, energia, telefonia e internet, que atualmente mostra-se como serviço fundamental, o que elevaria o gasto total com moradia para 25 a 30% de sua renda.


Para as unidades destinadas para renda média (com renda igual ou superior a sete mil reais), foram definidos percentuais de 20% e 7,5% sobre sete mil reais. Houve tentativa de estabelecer valores a partir de pesquisa de mercado. No entanto, os dados encontrados não apresentaram consistência suficiente. No caso das lojas, foi possível determinar uma referência de preço médio por metro quadrado para a área central, que ficou estabelecido em R$ 32,00/m2 (mês de referência novembro de 2020), o que, considerando a área das lojas, representa um preço estimado de R$ 2.112.00. Já o valor do condomínio das lojas ficou estabelecido em R$ 78,38.


Uma modelagem testada foi a implantação do empreendimento com recursos públicos. Metade das unidades residenciais (164) seria destinada para locação social e a outra parte para renda média, juntamente com os espaços comerciais. Os resultados mostraram que, baseados nos critérios de receita estabelecidos, seria possível manter os custos de operação do empreendimento sem a necessidade de subsídios para o público-alvo da locação social. Entretanto, este modelo implicaria no aporte dos recursos necessários para a construção do empreendimento.


Dentre as outras modelagens testadas, a utilização da Concessão de Direito Real de Uso mostrou-se viável. Este teste pode também servir de parâmetro para PPP ou FII, já se caracteriza por um fluxo de evolução de investimentos e receitas. E, no caso de PPP, considera implantação e prestação de serviços. No caso de um FII, representa empreendimento imobiliário voltado para a renda, o que é um produto típico deste mercado.


No exercício, o concessionário, assumiria a obrigação de construir o empreendimento e operá-lo por um prazo de vinte e cinco anos, sendo remunerado pelas receitas oriundas de locação e taxas condominiais das unidades residenciais e das lojas. Das 324 unidades residenciais, 54 (um prédio) seriam dedicadas para locação social e 270 (cinco prédios) para renda média. Os preços de locação e condomínio para o público-alvo seriam aqueles fixados pelo programa. Já os preços para renda média e para os espaços comerciais utilizariam os critérios do mercado imobiliário.


Tabela 1. Demonstrativo Receitas e Custos Estimados para CDRU (R$)


Como se pode verificar na tabela 2, considerando os critérios de valor presente líquido (VPL) e Taxa Interna de Retorno (TIR), em relação à Taxa Mínima de Atratividade (TMA) de referência para janeiro de 2021, quando o estudo foi realizado, vemos que os resultados são positivos ao final do período da concessão.


Tabela 2. Demonstrativo de Resultados de VPL e TIR para o Cenário CDRU



É possível que os custos que serviram de base para o exercício tenham sido subestimados. Por outro, as estimativas de receita são conservadoras, tanto para locação social, o que seria relevante manter, quanto as unidades de renda média e não residenciais. Ainda assim, fica evidenciada a relevância do uso misto, e com ele, a diversificação e ampliação das receitas para a viabilidade do empreendimento e de um programa baseado no uso de bens imóveis públicos e no conceito de uso misto.


Pode-se arguir que a quantidade de unidades destinada para locação social fruto dessa modelagem seria muito baixa. Entretanto, elas estariam sendo obtidas a um custo próximo a zero pelo município, tanto na implantação quanto na operação. Ademais, município, além dos incentivos fiscais, poderia incluir na sua oferta pública, incentivos urbanísticos e edilícios, além de aporte de subsídios dentro de sua realidade. Assim, poderia aumentar a proporção de unidades destinadas para locação social.


Como se pode verificar na tabela 1, os tributos federais têm grande peso para a implantação e operação do empreendimento. A isenção destes tributos também favoreceria a ampliação da quantidade de unidades destinadas para locação social ou para a redução de subsídios por parte do município.


Deve-se considerar que o estudo foi feito com base em um projeto hipotético relativamente simples e que poderia ser objeto de muitas variações em termos de tipologias, usos. Alterações de regras edilícias e construtivas, poderiam ampliar proporcionalmente as receitas em relação aos custos.


Estes ajustes poderiam permitir a possibilidade de utilizar algumas unidades não residenciais como parte do programa de locação, ou seja, com preços subsidiados para abrigar negócios populares e tradicionais, de modo a garantir também diversidade na oferta de comércio e serviços na área central.


Uma medida de grande importância seria repassar os imóveis pertencentes a união e o estado aos municípios, aumentando o estoque a ser utilizado para mobilizar recursos para o programa de locação social. Com isso, os municípios teriam mais alternativas para modelar empreendimentos em parceria com o setor privado, por meio de CDRU, PPP ou FII.


Outras possibilidades


Com relação a outros caminhos para geração de unidades para o programa, poderia ser considerada o envolvimento de entidades do terceiro setor como concessionários dos empreendimentos em imóveis públicos. Fundações filantrópicas, por exemplo, poderiam assumir os investimentos com recursos não reembolsáveis. Há movimentos sociais de luta por moradia e ongs com experiência na construção de HIS e na gestão social junto ao público-alvo. Esta capacidade poderia ser adaptada para que se tornassem gestores de empreendimentos de locação social.


Aproveitando as incertezas das crises econômica e sanitária, seria interessante, seguindo iniciativas do Rio de Janeiro, por exemplo, incentivar a reconversão de imóveis corporativos, para uso residencial nas áreas centrais. O que poderia gerar oferta de unidades em velocidade maior do que a implantação de novos empreendimentos. O poder público poderia ser compensado com cessão temporária ou definitiva de unidades para o programa. Outra forma seria a contratação de unidades existentes que estejam ociosas.


Entretanto, há vários aspectos que merecem análise detalhada para a formatação destas soluções. Por exemplo, a questão regularidade e da qualidade, em termos de habitabilidade das unidades a serem e a determinação dos preços de locação e condomínio.


Via de regra os imóveis das áreas centrais são devidamente registrados. No entanto, podem estar irregulares quanto aos tributos e taxas, por exemplo. Será preciso estabelecer como serão regularizados para fazerem parte do programa. Da mesma forma será necessário estabelecer critérios de habitabilidade das unidades, bem como regras para adequação. É preciso levar em conta que, conforme se pode inferir a partir dos dados sobre déficit habitacional da Fundação João Pinheiro (2021), existe um mercado informal de aluguel de imóveis para a população de baixa renda, a respeito do qual pouco ou nada se conhece.


A definição do preço da locação a ser pago pelo beneficiário do programa e daquele a ser cobrado pelo o proprietário do imóvel tem importância crucial, uma vez que a diferença entre eles será coberta por subsídio a ser pago pelo município. Sem estas referências torna-se muito difícil definir o volume de recursos necessários e o alcance do programa. Ademais, será necessário definir: a forma de subsídio – se ao locador ou ao locatário, quem contrata a locação da unidade – o programa (poder público) ou o locatário, como serão tratadas as garantiras e riscos para o locador situações de inadimplência, dentre outros aspectos.


Elaborar regras claras para tratar deste conjunto de questões é fundamental para que o uso de unidades privadas seja uma alternativa adequada, viável e ágil para o programa de locação social.


Considerações finais


Como dito acima, as alternativas apresentadas não esgotam o debate sobre implantação de um Programa de Locação Social. Tanto do ponto de vista de soluções para geração de unidades para o Programa, quando em relação a outros aspectos de sua gestão. A relação contratual com os beneficiários da locação social, por exemplo, tende a ter implicações sobre custos operacionais e inadimplência. Nesse sentido, merecem um debate aprofundado.


Seria importante também que assim como novos empreendimentos, aqueles que são fruto de reconversão, poderiam ser baseados no modelo de uso misto – multiuso e multi-renda, com diferentes tipologias de unidades residenciais para os empreendimentos do programa – o que é previsto na Lei n° 14.118, de 2021. Seus artigos 2º, 3º e 8º estabelecem como diretrizes e objetivos da política nacional de habitação, dentre outros, o planejamento integrado, o uso misto e a inovação tecnológica.


O estudo feito para Campo Grande mostra que, em princípio, um Programa de Locação Social poderia ser viável com a utilização de imóveis públicos e o conceito de uso misto. Estes elementos poderiam servir para atrair recursos de fundações filantrópicas e/ou investimento privado para alavancar o programa, bem como envolver movimentos sociais, ongs ou empresas privadas na sua gestão.


A potencial viabilidade da locação social representa a possibilidade de promover o direito de acesso à moradia adequada a preço acessível, próxima a oportunidades de emprego e renda para parcelas da população menos favorecidas. Assim, essa política pode contribuir para redução de desigualdades sociais.


O adensamento com população das diversas faixas de renda poderia funcionar como um elemento para contribuir para reativar as áreas centrais. No entanto, ela deve ser pensada no sentido de gerar um desenvolvimento urbano mais equilibrado para a cidade como um todo. Mesmo não sendo o único fator determinante, a ocupação das áreas centrais poderia contribuir para uma retomada econômica mais ampla e para dinâmicas urbanas, sociais e econômicas, com maior sustentabilidade e resiliência nestas áreas e na cidade


Referências


ABRAMO, Pedro. A cidade Com-Fusa: a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 9(2), 25-54. 2007.

Cardoso, Adauto Lucio (org.). O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais / Rio de Janeiro: Letra Capital. 2013. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/o-programa-minha-casa-minha-vida-e-seus-efeitos-territoriais/. Acesso em: 05/08/2020

COSTA, Simone da Silva. Impactos da política de habitação social e o direito humano à moradia no Brasil. RIDH | Bauru, v. 2, n. 3, p. 191-206, jul./dez. 2014. Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/167. Acesso em: 15/03/2021

DAVIS, Daniel. 5 Models for the Post-Pandemic Workplace. Harvard Business Review. 2021. Disponível em: https://hbr.org/2021/06/5-models-for-the-post-pandemic-workplace?utm_source=NexoNL&utm_medium=Email&utm_campaign=OQEL. Acesso em: 06/06/2021

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional no Brasil – 2016-2019 / Fundação João Pinheiro. – Belo Horizonte: FJP, 2021. Disponível em: http://fjp.mg.gov.br/deficit-habitacional-no-brasil/. Acesso em: 12/03/2021.

NADALIN, Vanessa Gapriotti, Furtado, Bernardo Alves e Rabetti Matheus. Concentração intraurbana de população e empregos: os centros antigos das cidades brasileiras perderam primazia? Revista Brasileira de Estudos Populacionais. V. 35, nº 3.; Belo Horizonte. 2018. Disponível em: https://rebep.org.br/revista/article/view/1106. Acesso em: 14/03/2021

PEQUENO, Renato. Políticas Habitacionais, Favelização e Desigualdades Sócio- Espaciais Nas Cidades Brasileiras: Transformações e Tendências. X Colóquio Internacional de Geocrítica Diez Años de Cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008 Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008 Universidad de Barcelona. 2008. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/-xcol/275.htm. Acesso em: 15/03/2021

Pereira, Rafael H. M., et al. DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS DE ACESSO A OPORTUNIDADES NAS CIDADES BRASILEIRAS – 2019 Texto para Discussão 2535 / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea. 2020. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/publicacoes. Acesso em: 10/06/2021

SANTOS, Alexandre Pereira, et al. O lugar dos pobres nas cidades: exploração teórica sobre periferização e pobreza na produção do espaço urbano Latino-Americano urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana (Brazilian Journal of Urban Management), 2017 set./dez., 9(3), 430-442. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/Urbe/article/view/22104. Acesso em: 08/09/2019

SECOVI RIO. Home office ditará lançamentos em 2021 no mercado imobiliário. Disponível em: https://www.secovirio.com.br/secovi-rio-na-midia-home-office-ditara-lancamentos-em-2021-no-mercado-imobiliario/. Acesso em 26/08/2021.

TRAVERS, Tony DILLON, Matthew e LUCY, Laetitia, How many people will carry on working from home? The answer will determine the future of central London. 2021. London School of Economics. Disponível em: https://blogs.lse.ac.uk/covid19/2021/03/25/how-many-people-will-c...rom-home-the-answer-will-determine-the-future-of-central-london/. Acesso em 18/04/2021.

  • Alberto Silva



Por Alberto Silva

20 de maio de 2021


A questão habitacional é uma das marcas das desigualdades sociais no Brasil. De acordo com o relatório da Fundação João Pinheiro, publicado em março de 2021, o déficit habitacional no Brasil, em 2019, era de mais de 5,8 milhões de domicílios, sendo 51,7% do déficit causado pelo ônus excessivo do aluguel urbano e 23,1% fruto da coabitação. Ainda conforme o relatório, em que pesem algumas ressalvas metodológicas, verifica-se um aumento do déficit entre 2016 e 2017 com pequena variação até 2019, atingindo de forma mais intensa os domicílios com renda de até um salário-mínimo. Este cenário, reflexo da crise econômica vivida pelo país, agudizada pela pandemia da Covid 19.


O enfrentamento deste quadro demanda iniciativas que ampliem e intensifiquem a política de habitação de interesse social para além da transferência ou venda subsidiada de unidades habitacionais para famílias de baixa renda.


Uma possibilidade é a Locação Social, que é prevista como parte da política habitacional do país, embora quase não seja praticada. A Locação Social não se confunde com o Auxílio Aluguel que é pago em caráter temporário para famílias deslocadas de suas moradias em função de situações de risco, calamidade ou obras públicas. Ela representa colocar em prática o Art. 6º na Constituição Federal, que estabelece o acesso à moradia como um direito que não se confunde nem se limita ao direito de propriedade. O que é refletido na legislação nacional que trata da política habitacional.


A Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS, em seu artigo 11º, inciso I, coloca a locação social como uma das finalidades de aplicação dos recursos do fundo.


A Lei n° 14.118, de 2021, que cria o Programa Casa Verde e Amarela, em substituição ao Programa Minha Casa, Minha Vida, em seu artigo 8º, paragrafo 6º, prevê a locação como uma das formas de destinação das unidades habitacionais construídas no âmbito do programa.


Em que pese a previsão legal, implantar um programa de locação social no Brasil implica em superar desafios subjetivos, como a cultura da casa própria, e objetivos, no que se refere a financiamento e gestão do programa. Estes últimos são objeto da proposição inicial da Secretaria Nacional de Habitação. Eles serão tratados aqui como contribuição ao debate.


Um Programa de Locação Social consiste na destinação permanente de unidades habitacionais adequadas a preços acessíveis para a população de baixa renda e outros públicos específicos. As unidades podem pertencer ao poder público, constituindo um parque público, ou serem alocadas ao programa por proprietários privados – com ou sem fins lucrativos. Em ambos os casos é necessário haver estrutura organizacional para operar o programa, direta ou indiretamente. No caso do parque público, além da administração de contratos de locação, implica na execução permanente de atividades de zeladoria dos empreendimentos do programa.


Em ambos os casos, haverá demanda de subsídios públicos para garantir a diferença entre a capacidade de pagamento da população alvo e os custos efetivos de construção de unidades habitacionais e de operação do programa, no caso de parque público, ou do preço dos aluguéis, no caso de imóveis privados. O volume de subsídios demandados pelo programa será fundamental para definir o seu alcance e sustentabilidade, além dos possíveis impactos sociais, econômicos e para o desenvolvimento urbano.


O Ministério do Desenvolvimento Regional, por meio da Secretaria Nacional de Habitação, promoveu, ao longo do mês de março de 2021 uma série de Diálogos sobre Locação Social, com representantes de governos locais, acadêmicos e representantes do setor privado. Esta iniciativa vem na sequência da publicação, em dezembro de 2020, a RESOLUÇÃO ME No 159 de 2020 na qual o Ministério da Economia opina favoravelmente pela inclusão do fomento de “parcerias com a iniciativa privada para estudar alternativas habitacionais destinadas à locação social, no âmbito do Programa d Parcerias de Investimentos – PPI”. A resolução aguarda a aprovação do presidente da república.


A Secretaria Nacional de Habitação indica que o programa contaria com apoio técnico e financeiro do governo federal e a gestão do programa ficaria a cargo dos municípios com participação do setor privado. Este arranjo se mostra adequado uma vez que os municípios têm a atribuição de implementar as políticas de habitação de interesse social, de regular o uso do solo e promover o desenvolvimento urbano.


A secretaria aponta, em princípio, três eixos para o programa: parcerias público-privadas, produção de parque público e voucher (recurso repassado ao locatário). Como contribuição para o debate, a partir de uma breve análise sobre cada um destes eixos serão apresentadas sugestões com relação à constituição do parque público, inclusão de imóveis privados e o modelo de empreendimento.


Numa PPP, um agente privado assumiria a obrigação de construir e gerir um empreendimento dedicado à locação social, que deve retornar ao poder público ao final da concessão. A indicação inicial da Secretaria Nacional de Habitação é de que seria uma PPP administrativa, com parte da remuneração ao agente privado sendo feita pelos pelas taxas de locação e condominial pagas pelos locatários e parte pelo poder público, por meio de contraprestações públicas. O poder público poderia oferecer o terreno e infraestruturas para reduzir os aportes privados. Entretanto, é importante considerar que o aporte público, que de fato consiste em subsídio, ocorrerá tanto na fase de investimento, quanto na de operação, para complementar as tarifas pagas pelos locatários. Neste sentido, é fundamental avaliar o volume de recursos a serem alocados pelo poder público para dar viabilidade ao negócio, vis a vis a oferta que será produzida.


O eixo produção do parque público sugere que este seria custeado com recursos públicos (onerosos ou não onerosos) e a operação poderia ser feita de fora direta ou indireta. A Secretária Nacional de Habitação sugere que parte da produção de unidades de habitação de interesse social para transferência de propriedade poderia ser destinada ao programa de locação social sob gestão dos municípios. Além disso, ao menos parte das unidades construídas no âmbito do MCMV, que tenham sido retomadas pelos municípios poderia ser alocada para o programa. Esta estratégia seria interessante pois significaria utilizar parte de recursos já previstos para a produção habitacional para impulsionar o programa de locação social. Neste caso, é necessário definir qual será a modelagem da operação, que poderia ser direta ou indireta.


No caso do voucher que, em princípio, seria utilizado para a locação de imóveis privados. Essa alternativa representaria forte redução das obrigações com a operação e, portanto, dos custos operacionais. No entanto, seriam mantidas as necessidades de controle com relação efetiva aplicação dos recursos na finalidade a que se destina. Ademais, seria necessário analisar quais imóveis privados poderiam integrar o programa com relação às condições para locação, a qualidade dos imóveis e quanto aos valores de aluguel.


A incorporação de imóveis privados no programa de locação pressupõe a sua formalidade em função de aspectos legais e institucionais. Havendo clareza quanto às regras do programa e garantia de recursos para o pagamento do voucher, o programa deverá atrair proprietários de imóveis regularizados. No entanto, há outro conjunto envolvido com o público-alvo do programa.


A Fundação João Pinheiro (2021) estimou que o déficit habitacional no Brasil, em 2019, era de mais de 5,8 milhões de domicílios, sendo o ônus excessivo do aluguel urbano responsável por 3,035 milhões (51,7% do déficit). Este componente estaria concentrado nos domicílios com renda de até dois salários-mínimos, em sua maioria, chefiados por mulheres. Este seria, em princípio, o público-alvo prioritário de um programa de locação social.


Este dado sugere a existência de um mercado informal de aluguel, sobre o qual pouco ou nada se sabe. Conhece-lo pode relevar lições importantes para a elaboração de um programa de locação social.


Seria necessário avaliar em que medida haveria estímulo para que o mercado informal existente seja formalizado, considerando que ele atende ao que seria o público-alvo do programa e que, ao menos parte dos locadores deste mercado informal obtém sua renda com a locação informal.


É preciso avaliar também como será o tratamento dado aos imóveis informais e que não apresentem boas condições de habitabilidade. Conforme sinalizado pela Secretaria, a implantação deste eixo deveria considerar uma articulação com programas de melhorias habitacionais e de regularização fundiária. Desse modo, a formalização deste mercado poderia ser induzida promovendo inclusão social.


Para os três eixos, um aspecto central se remete à relação entre o valor das taxas a serem pagos pelos locatários e o valor do aluguel e taxas condominiais. No caso da PPP, o custo mais a remuneração do privado, no caso do parque público, o custo operacional e no caso do voucher, o valor de mercado dos aluguéis e taxas. Considerando que o programa será permanente, a distância entre a taxa paga pelo locatário e o valor efetivo do aluguel irá determinar o volume de subsídios para a manutenção do programa. No caso do voucher, uma estratégia de implantação deveria considerar os possíveis impactos sobre os mercados formal e informal de aluguel.


Com relação ao parque público próprio ou concedido via PPP, haveria possibilidade para o poder público controlar os preços dos aluguéis no seguimento de baixa renda. Para tanto, teria de garantir a maior parte da oferta de imóveis. O que constitui um desafio, pois depende da capacidade de produção de unidades a serem destinadas ao programa.


Como contribuição para este debate, apresentam-se a seguir algumas sugestões referentes à mobilização de recursos para a constituição de um parque público, que podem também ser uteis para a otimização da operação do programa.


Sobre a constituição do parque público, os municípios poderiam atrair recursos privados para a construção de unidades para o programa por meio da utilização de imóveis públicos próprios, do estado e da união. O poder público dispõe de grande quantidade de imóveis ociosos, como tratado aqui, que poderiam ser destinados para esta finalidade.


Além da PPP, estes imóveis poderiam ser disponibilizados por meio de permutas, concessões de direito real de uso, ou incorporação em fundos de desenvolvimento imobiliário.


Estas formas de alienação de imóveis, poderiam ser combinadas com a aplicação de instrumentos urbanísticos, edilícios e fiscais, o que ampliaria o valor da oferta pública e, consequentemente, das contrapartidas a serem demandas aos agentes privados, ou seja, uma maior quantidade de unidades e/ou menores valores de operação do programa.


Seria interessante avaliar os procedimentos e prazos necessários para aplicação de cada um destes instrumentos. No caso de PPP, Permuta ou Concessão de Direito de Uso, cada empreendimento implicaria em um processo de contratação. No caso de criação de um Fundo de Investimento Imobiliário, uma vez criado, teria maior flexibilidade de desenvolver parcerias com os agentes privados, sem no entanto, deixar de se submeter aos mecanismos de transparência e prestação de contas.


A constituição do parque público poderia considerar também a possibilidade de aquisição de imóveis privados em troca de dívidas com o poder público. O município poderia ainda considerar a desapropriação de imóveis abandonados ou subutilizados, com problemas de regularização.


Ainda em relação aos imóveis privados, incentivar a reconversão de imóveis para uso residencial seria também uma alternativa, que poderia ser compensada com cessão temporária ou definitiva de unidades para o programa diretamente ou por meio de vouchers.


Um aspecto importante a ser considerado é o modelo de empreendimento a ser adotado para o programa, pois pode trazer benefícios econômicos, sociais e urbanísticos. A Lei n° 14.118, de 2021, em seus artigos 2º, 3º e 8º estabelece como diretrizes e objetivos da política nacional de habitação, dentre outros, o planejamento integrado, o uso misto e a inovação tecnológica.


A adoção de empreendimentos de uso misto – multiuso e multi-renda familiar, com diferentes tipologias para as unidades residenciais é recomendável para o programa. Com este tipo de empreendimentos, o programa poderia diversificar e ampliar suas receitas, com unidades para faixas de renda média e espaços não residenciais, o que reduziria a necessidade de subsídios. As diferentes tipologias serviriam para atender à diversidade da demanda: casais de idosos, casais com ou sem filhos, trabalhadores ou estudantes, que poderiam morar sozinhos ou compartilhar unidades, por exemplo. Ao menos parte unidades comerciais poderiam ser locadas a preços subsidiados para favorecer a manutenção do comércio e serviços populares e tradicionais. Além disso, esse tipo de empreendimento contribuiria para uma ocupação diversificada e inclusiva, contribuindo para reforçar ou criar centralidades urbanas, o que traria efeitos econômicos, sociais e urbanísticos positivos.


Esses aspectos merecem ser aprofundados, bem como outros precisam ser analisados. Avaliar as experiências nacionais e internacionais com políticas de locação social pode também trazer lições relevantes nesta fase de elaboração. A definição dos parâmetros de definição de preços para locação social, a estruturação para operação e manutenção dos empreendimentos, a administração de contratos e gestão das relações com os locatários com vistas a evitar ou mitigar inadimplência e a articulação do programa com o desenvolvimento urbano são aspectos sensíveis para a montagem de um programa de locação social.

Atualizado: 25 de mar. de 2021



A pandemia de covid 19, além da crise sanitária em si, agravou e jogou luz sobre várias questões. Dentre elas, a questão metropolitana. Situações quase caricatas, como a que ocorreu na região metropolitana de Sorocaba, SP, em junho de 2020. Um shopping situado parte Sorocaba e parte em Votorantim, teve que seguir duas regras de funcionamento, porque cada um dos municípios adotou diferentes medidas de prevenção à covid 19. Houve casos de colaboração, como por exemplo, na região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), quando, Niterói e Marica para aliviar pressão sobre seus serviços de saúde, decidiram construir um hospital para atendimento à covid 19 em São Gonçalo. Estes são exemplos das inter-relações entre os municípios dentro de uma região metropolitana durante a pandemia.


Mas, há exemplos para além da crise sanitária, no campo da política, da segurança púbica e do saneamento, por exemplo. É comum que grupos políticos de um município se aliem com outros de outros municípios. Mas, nas eleições do ano passado, alguns desses grupos municipais passaram a disputar espaço em outros municípios, como ocorreu na disputa pela prefeitura de São Gonçalo, e candidaturas a vereador no Rio apoiados por políticos de São João de Meriti, Belford Roxo e Caxias.


A expansão de grupos de milicianos e traficantes também não respeitam fronteiras, conforme mostra o mapa dos grupos armados do Rio de Janeiro, 2019. O mapa é resultado do estudo elaborado em parceria pelo datalab Fogo Cruzado, o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, o Disque-Denúncia e a plataforma digital Pista News.


No início de 2020, e novamente em 2021, a população do Rio de Janeiro, Nilópolis, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Itaguaí e Queimados sofrem com a “crise da geosmina”. Os problemas de qualidade da água decorrem, de ineficiências no tratamento da água, mas, sobretudo, da falta de saneamento nas bacias dos rios Queimados, Poços e Ipiranga, que são afluentes do Guandu, situados nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados.


Esses exemplos ilustram, mas não esgotam, a concretude da RMRJ. No entanto, ela segue como secundária na agenda dos governos estadual e dos municípios. Mesmo na discussão sobre a gestão da crise sanitária, o debate se dá em função da condição de cada município, e não, de uma visão metropolitana.


Essa secundarização é demonstrada também na discussão dos planos diretores. Com base em levantamento feito nos sites das Prefeituras e Câmaras de Vereadores, neste momento, dos 22 municípios da RMRJ, seis tiveram seus planos diretores revistos e aprovados entre 2016 e 2019, um está em vigor até 2021 e outro até 2024. Sete estão em revisão, um vai iniciar a revisão em 2021 e seis estariam com seus planos vencidos. Ou seja, 16 municípios estão revendo ou deverão rever seus planos diretores a curto prazo.


Por outro lado, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDUI) da RMRJ está na Assembleia Legislativa aguardando aprovação. O PDUI ,que foi apresentado em 2018, certamente merece debate e carece de atualização, em função da pandemia e da situação econômica e fiscal do estado e dos municípios. No entanto, seus princípios e objetivos parecem continuar válidos. A busca por uma metrópole mais integrada e equilibrada, e cada vez menos desigual, por meio do fortalecimento e criação de novas centralidades e o fortalecimento de existentes, sugerem um caminho interessante. O que sugere a implementação de projetos de restruturação urbana. Algumas das centralidades a serem fortalecidas ou criadas extrapolam limites municipais. O que, por sua vez, deverá envolver Funções Públicas de Interesse Comum.


No entanto, os processos de revisão dos planos diretores municipais parecem estar ocorrendo sem tomar em conta o PDUI. O que seria uma excelente oportunidade para melhorá-lo, fortalecer a governança metropolitana e ampliar integração entre os municípios. Como parte deste processo deveria ocorrer o aprofundamento do debate sobre as Funções Públicas de Interesse Comum, que dão base para a delimitação das regiões metropolitanas. A pandemia jogou luz sobre várias questões relativas a elas. É preciso aprender as lições oferecidas por essa crise.


Por exemplo, há um debate intenso sobre os transportes públicos na região e seus municípios. Quaisquer que sejam as soluções a serem definidas, elas deveriam tomar em conta uma visão metropolitana, considerando as relações entre as situações intra e intermunicipais. O mesmo raciocínio parece ser válido para as demais funções públicas de interesse comum.


Por seu caráter de longo prazo, os planos diretores metropolitano e municipais podem ter papel fundamental para apontar caminhos para a superação da situação atual, para além da emergência e de modo estruturante.


Dentre os municípios que estão revendo seus planos diretores está o Rio de Janeiro. Por ser o maior em termos de população, arrecadação e economia, o Rio de Janeiro poderia incorporar a questão metropolitana em seu processo de revisão. Assim, poderia desempenhar o papel, junto com o governo estadual, de mobilizar e articular os demais municípios para que levem em conta a questão metropolitana em suas revisões dos planos diretores.


Do mesmo modo, a Alerj poderia promover a discussão sobre o PDUI, de modo a estimular a articulação com os processos de revisão dos planos diretores municipais, uma vez que estes deverão se adequar ao PDUI, conforme previsto no parágrafo 3º do artigo 10º do Estatuto da Metrópole.


A emergência da crise sanitária nos coloca o desafio de sair dela e, tão importante quanto, de traçar estratégias que para superar os velhos desafios que ela iluminou. Articular a elaboração dos planos metropolitano e municipais pode ser um passo fundamental para ampliar a resiliência e reduzir das desigualdades de modo sustentável na RMRJ.

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