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Foto: Bruno Bartoline


A ideia da retomada do Centro do Rio de Janeiro é muito bem vinda, sobretudo por apontar uma agenda positiva para a cidade, após os últimos anos de paralisia e desculpas diante dos problemas. A prefeitura criou o site Reviver o Centro para coletar contribuições para esta iniciativa e pretende ter um projeto em abril deste ano. As reflexões a seguir pretendem contribuir para esta construção.


Na busca por essa retomada, é preciso não perder de vista o contexto de crise econômica e da epidemia da covid-19, assim como as características e dinâmicas históricas da região central. Nesse sentido, o Porto Maravilha, cuja área deveria fazer parte da estratégia de retomada, pode servir de inspiração com relação aos seus marcos legais sobre reconversão de imóveis, a promoção da atratividade da região, ao Plano de Habitação de Interesse Social, o uso de bens imóveis públicos e a forma de implementação das ações.


O esvaziamento do Centro tem relação muito forte com a crise econômica que afeta o país desde 2015. Na cidade do Rio de Janeiro, estes efeitos se agravaram após 2016 e seguem fortemente ainda hoje, tendo sido ainda mais aprofundados pela pandemia. A prefeitura, que vive uma situação de crise fiscal, sozinha, tem condições bastante limitadas para enfrentar ou mesmo reverter a situação econômica municipal. Mas é possível tomar inciativas para abrir caminhos para que a cidade mobilize forças e atraia recursos para sair da crise.


É preciso lembrar que na base desta crise está um modelo de urbanização que concebeu o Centro como local de trabalho, induzindo as pessoas a morar cada vez mais distante. A contestação desse modelo ganha, agora, novos ingredientes por conta da pandemia, que colocou muitas pessoas trabalhando em casa. Sobretudo em setores de serviços que ocupam grandes áreas de escritórios. Essa condição agravou o esvaziamento do Centro especializado, afetando o mercado imobiliário, bem como o comércio e os serviços, já que a demanda (os trabalhadores) agora está em casa. Alguns analistas apontam que este seria um novo cenário a provocar mudanças profundas no mercado de trabalho, afetando o setor imobiliário e a própria dinâmica urbana. No entanto, mesmo considerando que a atual situação deve perdurar até que os efeitos da vacinação em massa ocorram, talvez seja ainda muito cedo para saber quais mudanças e em qual intensidade vão efetivamente se consolidar, antes de falar em novo normal.


Nesse sentido, é preciso ter cuidado para adotar o momento da pandemia como pressuposto para elaborar parâmetros para a retomada do centro. Nesse momento, flexibilidade das regras e estímulo à diversificação são componentes estratégicos recomendáveis.


O que a pandemia demonstrou, de fato, é a fragilidade e a necessidade de romper com o modelo atual que segrega o centro como local de trabalho. Esse rompimento passa por construir a ideia do Centro como um bom local de moradia no imaginário da população. O que não parece tarefa difícil, atualmente. E, a experiência do Porto Maravilha contribuiu para essa mudança de visão. No entanto, lá foi necessário um grande esforço de transformação da urbanística e para jogar luz sobre sua riqueza cultural e histórica, material e imaterial.


No caso do Centro do Rio de Janeiro o esforço demandado é bem menor. A infraestrutura urbana necessita de manutenção e, talvez de investimentos pontuais. O Centro abriga grande parte da memória e da história da cidade, é farto e diversificado em termos de comércio, serviços e equipamentos culturais. Entretanto, estes, agora, carecem de demanda, já que os trabalhadores que formam seu público, entre segunda e sexta feira, ou estão trabalhando em casa, ou pior, estão desempregados ou desalentados. E neste cenário, de perda da renda dos trabalhadores e de falta de crédito para produção e aquisição de moradias, o desafio se mostra ainda maior. Por onde começar, então?


Abordagens como Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) e o Urbanismo Tático, por exemplo tem produzido experiências interessantes que conseguem gerar bons resultados a curto prazo. Isto é interessante para gerar confiança e sinalizar o potencial de estratégias mais complexas e de maior prazo de implementação. Imagine, por exemplo, se com a vacinação avançando rapidamente, daqui a alguns meses, nos finais de semana, as ruas do Centro forem dedicadas para pedestres e ciclistas e forma implantadas rotas cicloviárias seguras a partir da região da Tijuca e São Cristóvão, o que não demandaria grandes investimentos. Famílias indo passear no Centro, estimulando o funcionamento dos seus espaços culturais, restaurantes e bares. Isso poderia dar sobrevida ou pelo menos, perspectiva positiva, até que o adensamento de moradores comece a ocorrer.


E quem sabe, você, daqui a alguns anos, morando no Centro (ou no Porto), possa pegar uma bicicleta e fazer o caminho inverso, e ir ao Maracanã ou à Quinta da Boa Vista? E isso pode ser válido para conexão Centro – Zona Sul. E mesmo intra e inter outras partes da cidade. Essas práticas representariam novas forma de apropriação e uso do Centro e de sua relação com o restante da cidade.


As inspirações do Porto Maravilha podem vir da sua legislação, do Plano de Habitação de interesse social, e da forma de gestão. Claramente, não seria o caso de propor uma Operação Urbana Consorciada para o Centro. Mas, alguns dos conceitos e estratégias introduzidos pela Lei Complementar Municipal (LCM)101/2009, a LCM 143/2014 e Lei 5.78072014, podem contribuir bastante para a retomada do Centro. Uma grande mudança introduzida pela LCM 101 foi declarar a área como de uso misto, e reforçado pela Lei LCM 143/2014, pelo menos metade do potencial de construção, ou 2,5 milhões de m2 deve ser utilizado para uso residencial. A LCM 143/2014 também trata de incentivos para estimular a construção de residências na APAC Sagas, que é parte da área de intervenção do Porto Maravilha.


Esta lei criou critérios edilícios que facilitam a reconversão de unidades comerciais em residenciais, ao mesmo tempo em que preserva os elementos que conferem valor arquitetônico e urbanístico para as edificações. Ela estabelece mínimos para os componentes das unidades residências, permite remembramentos, desde que preservadas as fachadas e telhados, dispensa obrigatoriedade de garagens, unidades para porteiros e empregados, o que permite ampliar a área comercializável. Estes parâmetros poderiam ser estendidos para o Centro.


A questão do tamanho das unidades residenciais é objeto de controvérsia. No entanto, ela poderia ser equacionada, permitindo variação em relação à quantidade de unidades do empreendimento. Até dado limite de quantidade de unidades num edifício, poderia ser adotado um dado tamanho mínimo, o que pode permitir dar viabilidade ao empreendimento. A partir daí, quanto maior o número de unidades, maior o tamanho mínimo de cada uma. Assim, poderia ser evitada a perda de qualidade edilícia e urbanística.


Há também incentivos fiscais para a reconversão, como isenção de ITBI e de IPTU por um prazo determinado, dados pela Lei 5.78072014. Neste momento de crise fiscal, pode ser complicado falar de isenções fiscais. No entanto, elas podem, a depender do modo como se estabeleçam, induzir uma aceleração da tomada de decisão de investimentos na reconversão. Além disso, a perda de arrecadação daqueles tributos pode ser compensada pelos ganhos com ISS, com a retomada das atividades do comércio e serviços do Centro.


Infelizmente, por conta da crise econômica dos últimos seis anos, que estagnou o mercado imobiliário do Rio de Janeiro, á exemplo do país, os investimentos não ocorreram. No entanto, as profundas mudanças urbanísticas são definitivas e transformaram totalmente a visão sobre a área portuária. Sem dúvida que os investimentos virão aos primeiros sinais de melhora econômica. E a ideia de retomada do Centro pode ser estimuladora e estimulada pelo Porto.


Outra inspiração para a retomada do Centro é o Plano de Habitação de Interesse Social do Porto Maravilha, o PHIS-Porto, aprovado em 2015, após intenso processo participativo. O plano aprovou como meta, implantar 10 mil unidades de habitação de interesse social no Porto e Centro, sendo que estudos feitos pela Prefeitura e Cdurp à época já haviam identificado imóveis já desapropriados ou em vias de desapropriação por parte do município e outros pertencentes à união, que permitiriam construir cerca de 5 mil unidades, inclusive com projetos prontos para boa parte deles. Estes estudos poderiam ser retomados e revistos, o que permitira iniciar rapidamente a implantação de estratégias para construção de residências.


Um aspecto fundamental e prioritário seria avançar com a requisição dos imóveis da união, pois, poderiam vir sem custo para a prefeitura, dada a sua destinação. O estoque de bens imóveis públicos pode servir para alavancar investimentos por meio permutas e outras formas de alienação, neste momento em que a prefeitura capacidade de investimento limitada.


Um ponto central do Plano foi reforçar o conceito de uso misto – multiuso e multi-renda como parâmetro de uso e ocupação da região. O PHIS-Porto também previu a dispersão das unidades HIS por toda a região, em empreendimentos de uso misto de pequeno porte, para evitar a criação de “áreas de pobres e áreas de ricos”. De fato, a diversidade, mistura de usos e públicos deve ser valorizada e tomada como elemento focal da retomada do Centro e como estratégia de redução de desigualdades sociais e espaciais.


O Plano também prevê a criação de um Programa de Locação Social, que pode ter grande relevância para a ideia de retomada do Centro. A exemplo de outras cidades como Tóquio, Paris, Berlim, Londres, este tipo de programa consiste em oferecer moradias para aluguel, a preços acessíveis para populações de baixa renda. Nestas cidades, a Locação Social serve como política de acesso à moradia e, também como de economia urbana, como forma de conter o esvaziamento de áreas centrais.


No caso do Centro, a sua implantação poderia estar atrelada aos incentivos à reconversão, o que permitiria sinalizar demanda, e assim, atrair investimentos, acelerando o processo de adensamento populacional da área. De fato, a retomada do Centro deve abarcar também a área do Porto Maravilha


Outra inspiração diz respeito a forma de gestão das ações, que certamente demandarão muita integração entre órgãos da prefeitura na sua elaboração. E sua implementação demandará articulação entre o setor público, o privado e a sociedade civil. A implantação destas ações poderia ficar a cargo da Cdurp. A empresa tem experiência acumulada no relacionamento com os setores econômicos, sociais e culturais para promoção de desenvolvimento socioeconômico. Esse acúmulo também contribuiria para acelerar um programa de retomada do centro.


Como dito acima, a prefeitura tem pouco poder para intervir na crise econômica nacional, mas dados os potenciais da cidade, é possível encontrar e apontar caminhos de saída e atrair forças para uma retomada do desenvolvimento de modo a melhorar a qualidade de vida e reduzir as desigualdades no Rio de Janeiro.



Alberto Silva

Coping with the Covid-19 pandemic has generated very strong impacts on urban life due to restrictions on the agglomeration and circulation of people. Because of this, a lot has been said about a new normal. But the pandemic has not yet passed, and we are still experiencing restrictions. And they have exposed old and new challenges to life in cities. In a way, we are at a crossroads, a purgatory, where we can make choices in relation to the challenges exposed by the pandemic.


The home office and the purchases via the Internet expansion are leading to the virtual communication use intensification. These elements would be called as the new normal demonstrations. The quarantine easing measures in Asia and Europe would be another one. There, the return of economic and school activities and the use of public spaces are occurring with restrictions in terms of timing and the amount of people’s access. This would lead to new patterns of consumption and relationships.


However, the city is, by definition, agglomeration and circulation of people and things. It is, in its genesis, the place of encounter, of exchange. It is the market for things and ideas. A set of structures, equipment, systems and services. A tangle of value chains, the links of which often serve more than one at the same time. The city is diverse and mix of uses. And the bigger it is, the more differentiated and complex its functions will be. And, above all, in the case of Brazilian cities, as well as so many in Latin America, Africa and Asia, very unequal.


Housing conditions, access to water, public transport, information technology, the informal economy and unemployment make the impact of the pandemic and preventive measures also uneven. Sectors such as commerce, services, culture and tourism are under strong pressure.


It is then necessary to reflect on how definitive the pandemic containment measures would be. How much they would determine structural changes in cities. Do they have the strength to transform the urban way of life?


Perhaps, before talking about a new normal, it is necessary to analyze the possible impacts of the epidemic and of the coping measures on cities after the pandemic has passed.


An important aspect is to understand the moment and trends of this pandemic. Based on what the WHO and the specialist scientists point out, until a vaccine is available for the entire population, we will have to live with the permanence of social distance, in different degrees of intensity, with possible moments of easing and closing.


The return of the disease in places where control appeared to have been established confirms the concerns and warnings of scientists. And the optimistic forecasts point to a period of at least one year plus the time for it to reach all people. Until then, we must live with the shadow of the virus and more or less intense prevention measures.

In this case, what we are experiencing is, in fact, a period of transition, until a new normal is established. A kind of purgatory, where we can seek redemption, or continue to tend to aggravate social inequalities, environmental degradation and urban (de) economies.


In this purgatory phase, caused by the pandemic, latent problems were revealed and exacerbated. Especially in cities in developing countries, issues such as housing conditions, sanitation, public transport, access to information technologies, showed their weaknesses both from a health, as well as a social and economic point of view. However, a fundamental aspect that has been demonstrated is that these issues are integrated. Thus, they need to be understood and, above all, faced in an integrated manner as well. This requires, at least, that there is a review of current paradigms.


It is therefore necessary to reflect on this moment in purgatory and seek to extract lessons and possibilities from the challenges that the pandemic and this period of transition present before talking about new patterns of normality. Especially because, whatever it is, a new normal will, as always, be the result of a social construction that is not given.

Atualizado: 29 de abr. de 2021

03/12/2020

Alberto Silva


Foto: Bruno Bartoline


Este texto trata sobre as possibilidades de utilização de bens imóveis públicos e de instrumentos urbanísticos e edilícios de captura da valorização imobiliária como recursos para aumentar a capacidade de investimento das administrações municipais. Estes recursos seriam utilizados para implementar empreendimentos de uso misto – multiuso e multi-renda familiar, com foco em habitação de interesse social (HIS), servindo como instrumento de uma política de desenvolvimento urbano sustentável.


Os municípios brasileiros enfrentam limitações estruturais na sua capacidade de investimento. Tanto por suas restrições fiscais, como pela redução das transferências de recursos oriundos dos programas e políticas públicas da união. A pandemia, que jogou luz sobre as enormes as desigualdades em nosso país, evidenciou também que enfrentá-las, em grande parte, depende das ações das administrações locais. Dentre elas, questões relativas ao desenvolvimento urbano, em particular no que toca ao tema da habitação para as faixas de renda mais baixas e das condições nos assentamentos informais. Identificar formas de ampliar a capacidade de investimento dos municípios para lidar com estas questões é fundamental.


Uma destas formas pode ser o bom uso dos bens imóveis públicos. Outra, o poder de regular direitos urbanísticos e edilícios e de aplicar instrumentos de captura da valorização imobiliária, que cabem aos municípios. Esta competência os coloca em vantagem para gerir a alienação de bens imóveis públicos.


Combinados, estes instrumentos podem funcionar, ao mesmo tempo, como meios de indução e de financiamento de políticas de desenvolvimento urbano sustentável, com foco na questão da habitação de interesse social (HIS) e a possibilidade de introduzir um programa de locação social, como política de acesso à moradia, nas cidades brasileiras.


A boa notícia é que há um marco jurídico legal que permite a aplicação destes instrumentos. A parte que falta é uma visão estratégica que oriente a utilização destas fontes de modo a maximizar seu potencial. O que poderia contribuir para o aumento da capacidade de investimentos das administrações municipais e ajudar a promover cidades melhores.


O estoque de imóveis públicos, pertencentes à união, estados e municípios, além de suas empresas e órgãos, é considerável. Boa parte destes tem uso definido. Mas, há uma quantidade enorme sem destinação adequada. Terrenos e prédios ociosos, subutilizados, degradados, formam vazios urbanos e não cumprem o potencial que poderiam do ponto de vista da sua função social. Muitos em áreas urbanas centrais, ou próximos destas, ou em potencias polos urbanos, que já contam com infraestrutura e serviços. Bem utilizados, poderiam reverter tendências negativas ou induzir mudanças positivas com relação ao déficit habitacional e para o desenvolvimento das cidades.

No caso dos municípios, este patrimônio tende a crescer. Via de regra, cada novo empreendimento imobiliário, a partir de determinada dimensão, destina uma área para uso público. A quantidade, condição e destinação da área cedida pode variar entre os municípios. Há casos de municípios que ao invés de receber o terreno, aceita pagamento em dinheiro do valor correspondente àquele. Mas, o fato é que à cada novo empreendimento, haverá um acréscimo ao patrimônio municipal. Ademais, o município tem prerrogativa de requerer imóveis por herança jacente, quando não há herdeiros ou para pagamento de dívidas tributárias (IPTU e ISS), além da desapropriação, nos casos de interesse público. E estas situações tendem a ocorrer em áreas degradadas.


Nos últimos anos, os governos federal, estaduais e municipais têm feito esforços para levantar seus estoques de imóveis para identificar aqueles que poderiam ser alienados. Alguns exemplos servem para ilustrar a dimensão desses estoques. Em dezembro de 2019, o Governo federal listou 3.751 propriedades distribuídas em todas as unidades da federação, que, vendidas, poderiam render 30 bilhões de reais aos cofres públicos. Levantamento do governo do Amazonas em maio de 2019, estimou 2.200 imóveis, dois quais, 60% estariam na capital, Manaus.

O governo de Santa Catarina, em janeiro de 2019, avaliou seu patrimônio imobiliário e 7 bilhões. O Governo de Pernambuco, está implementando, desde 2016, um projeto de catalogação de 7 mil imóveis que estima possuir (Sousa et al, 2016). A subsecretaria de patrimônio do governo do Rio de Janeiro “gere direta ou indiretamente aproximadamente 4.000 imóveis e mais de 5.000 ocupações por terceiros”. Levantamento feito sobre os bens imóveis públicos do Rio Grande do Norte com dados de 2017, apontam que havia 3.520 imóveis. Destes, , 1.215 estavam em uso outros 15 tinham alguma destinação conhecida e os demais 2.289, estavam sem destinação definida.

Estes levantamentos têm sido motivados, em grande medida, pelo objetivo de vender os imóveis para resolver situações de fluxo de caixa. É possível considerar que há certa vantagem nisso, já que a administração pública resolve um problema imediato de caixa. E, no caso dos municípios, além de ter direito a 20% do valor da venda de imóveis da união, quando o imóvel ganhar um uso, ele irá pagar taxas e impostos. Contudo, o comprador utilizará o imóvel de acordo com seu interesse. Portanto, não ficando claro quando serão geradas receitas tributárias pelo novo uso do imóvel.

No entanto, existem outras formas de alienação de imóveis públicos que podem permitir ganhos maiores tanto do ponto de vista financeiro, como com relação ao desenvolvimento urbano. São elas a Permuta, que pode ser utilizada também para pagamento de contraprestações públicas em contratos de PPP, a Concessão de Direito Real de Uso e a Incorporação em Fundos de Investimento Imobiliário (FII). Estas alternativas ganham ainda maior relevância em tempos de crise econômica e de restrições da capacidade de investimento da administração pública.


Ao invés de simplesmente vender, A utilização destes instrumentos permitiria utilizar os imóveis ociosos como ativos para desenvolver projetos em parceria com o setor imobiliário e, obter como retorno, parte do empreendimento e/ou outros investimentos de interesse público.


Para o setor público, representa a possibilidade de, ao menos, reduzir o volume de recursos onerosos ou não, para a construção de unidades habitacionais. Estes instrumentos podem ser atrativos também para os agentes do setor imobiliário, uma vez que estes não teriam de fazer desembolsos para aquisição de terrenos, que representa um custo relevante para o investimento imobiliário.

A literatura jurídica sobre alienação de bens imóveis públicos que demonstra a clareza e segurança com relação a sua utilização. Autores como Paula Pincelli Vivacqua(2018), Rosângela Luft (2017), Maria Sylvia Di Pietro (2015, 2006), Ary Oswaldo Mattos Filho (2015), José dos Santos Carvalho Filho (2015) e Hely Lopes Meirelles (2001), dentre outros, tratam do tema em suas obras sobre Direito Administrativos. O TCU, também aborda o tema de modo esclarecedor em resposta a consulta feita pelo antigo Ministério do Panejamento, Desenvolvimento e Gestão, em 2017.


Neste artigo, o objetivo é fazer uma análise introdutória sobre como a utilização dos imóveis públicos podem contribuir como parte de estratégias para promover o desenvolvimento urbano sustentável.

A alienação de bens imóveis públicos é tratada nos seguintes instrumentos legais:

· Constituição da República Federativa do Brasil

· Código Civil Brasileiro – Lei 10.406/2002

· Estatuto da Cidade - Lei 10.257/2001

· Lei de Licitações - 8.666/93

· Decreto-Lei nº 271/1967

· Lei nº 11.079/2004

· Lei nº 9.636/1998

· Lei nº 10.520/2002

· Lei nº 13.240/2015

· Lei nº 13.465/2017

· Lei nº 13.823/2019

· Instruções Normativas (IN) SPU 01/2018 02/2018 e 03/2018.


Seja qual for o instrumento utilizado, a alienação de bens imóveis públicos deve realizada por meio de Licitação, na modalidade de concorrência pública. O procedimento licitatório deverá ser precedido de avaliação para determinar o valor do imóvel e de motivação / justificativa demonstrando o interesse público. Estes elementos vão fundamentar a autorização legislativa necessária para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais (lei 8.666/93 art. 17,18 e 19). A autorização legislativa só é dispensada no caso de bens imóveis da união, conforme o §4º do artigo 8º da lei 13.240/2015, para os quais há ainda outros dispositivos específicos.


De acordo com o mesmo artigo da lei citada, o “Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, permitida a delegação, editará portaria com a lista de imóveis sujeitos à alienação nos termos desta Lei. (redação dada pela Lei no 13.465, de 2017)”. No momento atual, esta função é do Ministro da Economia, já que o Ministério de Planejamento Desenvolvimento e Gestão foi extinto e suas funções incorporadas ao Ministério da Economia. Neste mesmo artigo, em seus incisos, são definidas as características dos terrenos da união que podem ser sujeitos à alienação.


Ademais, o artigo 5º - A da mesma lei, em seu parágrafo único determina que a Caixa Econômica Federal represente a União nos contratos de alienação de imóveis (Lei no 13.465, de 2017). Além disso, de acordo com o estabelecido no artigo 17º da lei 13.240/2015, “A União repassará 20% (vinte por cento) da receita patrimonial decorrente da alienação dos imóveis a que se refere o art. 4o aos Municípios e ao Distrito Federal onde estão localizados. (Redação dada pela Lei no 13.465, de 2017)”.


Importante ressaltar que é condição crucial para a alienação de um bem imóvel público, que ele esteja livre e desimpedido de quaisquer tipos de passivo ou ônus (ocupações, penhoras, poluição ambiental, etc.). Qualquer problema dessa natureza pode motivar questionamentos e/ou impedimentos durante e após o processo de alienação.


É importante dar atenção ao artigo 8º -A da lei 13.240/2015, pois este reconhece que ocupantes de terrenos da União, sobretudo aqueles “de boa fé” poderão manifestar interesse e terão preferência e alguns benefícios, como uso do FGTS, descontos e parcelamento do pagamento, na aquisição dos terrenos.


Breve caracterização sobre Permuta, CDRU e FII


Permuta

Trata-se da troca de um bem imóvel público por outros bens interesse público, cujo custo de construção seja equivalente ao valor do imóvel. O Poder público pode, então, designar um imóvel que será dado em troca da construção de empreendimento a ser construído em outro imóvel público. O empreendimento resultante da troca poderia ser destinado para venda ou para renda.


O agente público pode também determinar as condições para o uso do bem imóvel a ser objeto da permuta. Desse modo, também induzindo sua adequação às diretrizes do desenvolvimento urbano. Caberia ao agente privado, a partir destas diretrizes, desenvolver um empreendimento para venda ou para renda. Cada Permuta implica num contrato entre o agente público e o privado que demandará gestão até o cumprimento das obrigações contratuais.


Para o agente privado, o interesse viria da perspetiva de ganho com o investimento no terreno adquirido. Outro atrativo é o fato de que ele não teria que fazer desembolso imediato para a compra do terreno.


Concessão do Direito Real de Uso

Consiste na concessão para exploração de bem imóvel público sob condições e prazo determinado, de empreendimento imobiliário voltado para renda. Neste caso, o agente oferece um imóvel para a construção e exploração do empreendimento por determinado período, que seria, necessariamente, para renda. Neste caso, a contrapartida pela concessão seria, por exemplo, a disponibilização de unidades para o Programa de Locação Social, nos preços e condições definidos pelo agente público, ficando o restante do empreendimento para comercialização em condições de mercado.


O equilíbrio econômico – financeiro pode ser alcançado com ajuste das contrapartidas e prazo da concessão. Ao final deste prazo, o empreendimento reverte para o poder público podendo a concessão ser renovada ou licitada novamente ou passar para a gestão pública. O agente público ficaria com a tarefa de gerir o contrato de concessão ao longo de sua duração.


Incorporação em Fundo de Investimento Imobiliário (FII)

O FII é um instrumento do mercado de capitais. Ele se configura como um condomínio privado, regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2008 e 2014), com seu objeto, suas finalidades e política de investimentos definidas por seus cotistas.


O agente público criaria um Fundo de Investimento Imobiliário (FII), definindo no regulamento, as finalidades e políticas de investimento atreladas aos objetivos das políticas municipais de desenvolvimento urbano e habitação. Os bens imóveis públicos e outros direitos relacionados a eles, seriam aportados no FII em troca de cotas. O agente público continuaria controlando a governança do FII, que deve ser administrado por entidade competente, conforme estabelecido pela Instrução Normativa 472 da CVM.


Uma vez no Fundo, os imóveis poderão ser utilizados para desenvolver empreendimentos imobiliárias em parceira com o setor privado, para renda ou para venda. A contrapartida para o Fundo, ou seja, para o setor público, seria composta por bens e serviços em bases similares as utilizadas nos casos da Permuta e CDRU. Os ganhos do FII poderiam ser destinados a reinvestimentos em favor das políticas de desenvolvimento urbano e habitação.


Uma vantagem é que o FII poderia atuar com muito mais agilidade nas negociações junto aos agentes do setor privado, sem os tramites licitatórios e contratuais típicos da administração pública. Entretanto, ele é subordinado às regras de transparência, que são fiscalizadas pela CVM. Do mesmo modo, o agente público cotista segue subordinado aos controles típicos do setor público.


A questão da Titularidade do Terreno

A depender do instrumento adotado, a questão da titularidade terá tratamentos diferentes. No caso de Permuta a titularidade será transferida ao agente privado, em troca das obrigações fixadas no contrato. No caso de Concessão do Direito Real de Uso, não há transferência de titularidade e sim, uma autorização para exploração do terreno e do empreendimento que venha a ser construído durante determinado período de tempo. Se o instrumento utilizado for um FII, as condições serão de acordo com o que for estabelecido no regulamento e na política de investimentos do Fundo.

Em todos os casos o fator tempo é fundamental para a determinar a viabilidade do empreendimento. É possível considerar um prazo de 20 anos ou mais em qualquer das alternativas apresentadas. Outro aspecto de grande relevância é a possibilidade de alienar mais de um imóvel num mesmo processo de Permuta ou CDRU, ou negociação, no caso do FII, o que ampliaria as possibilidades de viabilidade dos empreendimentos.


Em todas as alternativas, o instrumento de convocação de propostas pode definir parâmetros, relacionando entregas de obrigações com liberação de parcelas de terreno (transferência de titularidade ou autorização para exploração), para livre exploração ao longo do prazo de vigência do contrato.


As vantagens dos municípios

Dentre os entes da federação, o município tem vantagem sobre os demais, por conta de seu poder regulador sobre o uso e ocupação do solo urbano, para desenvolver estratégias para alienação de bens imóveis públicos. No caso da união, as regras legais e infra legais permitem transferência para municípios possa até ser não onerosa, desde que justificado, quando se tratar de destinação para equipamentos ou espaços públicos, Habitação de Interesse Social (HIS) e Operações Urbanas Consorciadas (OUC). (lei 13.240/2015 e IN SPU 01/2018).


O poder regulador dos municípios sobre uso e ocupação do solo, bem como a aplicação de instrumentos de captura da valorização imobiliária, deve ser considerado com um duplo caráter: com fonte de recursos financeiros e instrumento de planejamento. Utilizado adequadamente, ele pode servir para agregar atratividade aos imóveis e induzir ocupações e usos que contribuam para aumentar os ganhos para a administração municipal em termos fiscais, econômicos sociais, urbanísticos e ambientais, para a cidade e sua população. Por exemplo, o valor de uma outorga onerosa do direito de construir, por mudança de uso ou aumento de gabarito pode ser somado ao valor do terreno, aumentando as possibilidades de contrapartidas.


Os bens imóveis públicos alienáveis, a depender de sua localização e características, podem representar conjuntos de ativos estratégicos para as administrações municipais desenvolverem políticas e programas de habitação de interesse social e desenvolvimento urbano.


Os empreendimentos seriam baseados em parâmetros e conceitos para um o desenvolvimento urbano sustentável, apontados na Nova Agenda Urbana, que contempla princípios do Direito à Cidade e da abordagem Desenvolvimento Orientado ao Trânsito – DOT. A promoção de empreendimentos de uso misto – multi-renda e multiuso, pode contribuir para a compactação das cidades, revertendo espraiamento e periferização, a melhoria da mobilidade urbana, a valorização dos espaços públicos e a integração espacial e social das áreas urbanas. A política para HIS poderia incluir programas de locação social, ampliando as oportunidades de moradia acessível, em particular, nos centros urbanos. Estas intervenções podem ter impacto relevante sobretudo para ajudar a recuperar áreas centrais esvaziadas, como é o caso de várias cidades brasileiras.


De fato, estes parâmetros e conceitos já são previstos na legislação urbana e de mobilidade em nível nacional, e de vários municípios brasileiros. Todavia, seria importante rever as regras sobre construção de HIS, para permitir a construção destas unidades como parte de empreendimentos de uso misto. Outro aspecto a ser revisto é a limitação de gabarito para prédios destinados a HIS. Ao mesmo tempo, é relevante manter e/ou ampliar benefícios e incentivos atuais para construção de HIS e avaliar a possibilidade de sua extensão para o conjunto do empreendimento, quando for de uso misto.

A regulamentação específica para os empreendimentos e, eventualmente, áreas adjacentes, poderia ser estabelecida com a criação de Áreas de Especial Interesse Urbanístico (AEIU), instrumento, via de regra, previsto nos Planos Diretores Municipais.

Incentivos fiscais, podem compor as estratégicas de alienação de imóveis públicos, podem contribuir para torná-los mais atrativos para o setor privado. Delimita-los no tempo pode induzir o ritmo dos investimentos e melhorar as condições para as contrapartidas para o poder público.


Um questionamento que pode ser feito é que talvez as contrapartidas recebidas por meio destes instrumentos de alienação não representem grandes quantidades. Entretanto, é relevante considerar outros efeitos possíveis desta estratégia. Ela permite que seja dado uso adequado aos imóveis e a valorização do património público, já que as bases de troca são o valor dos imóveis pelos custos de produção de outros bens e serviços, que terão maior valor de final. Ela permite atrair investimento privado sem comprometer o caixa das prefeituras, o que envolvem estímulo para o mercado imobiliário e o setor da construção, gerando empregos. Além dos impactos para o desenvolvimento urbano e a possibilidade de uma política habitacional que favoreça a retomada dos centros das cidades e a introdução da locação social como alternativa de política de HIS.


Referências

Brasil. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. TC 025.715/2017-8. Natureza: Consulta. Órgão: Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG). Possibilidade de ser praticado o Chamamento Público, para fins de Permuta de imóveis; de ser promovida a Contratação Direta prevista no art. 17, inciso i, alínea "c", da lei 8.666/1993, c/c o art. 24, inciso x, da mesma lei, caso este resulte em mais de um a proposta; e de ser aceita a Torna de valores. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/E2/E4/2F/D5/4B7D3610738D4636F18818A8/VR%20-%20025.715.2017-8%20-%20permuta%20imoveis%20da%20Uniao.pdf

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

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COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução Normativa n. 472, de 31 de Outubro de 2008. Dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento, a oferta pública de distribuição de cotas e a divulgação de informações dos Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). Revoga as Instruções CVM nº 205, de 14 de janeiro de 1994, nº 389, de 3 de junho de 2003, nº 418, de 19 de abril de 2005 e nº 455, de 13 de junho de 2007. Acrescenta o Anexo III-B à Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 31 out. 2008. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst472.html.

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução Normativa nº 555 de 17 de Dezembro de 2014. Dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 17 dez. 2014. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst555.html.

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Regulação x Autorregulação. Disponível em: https://www.investidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/a_cvm/Regulacao_Autorregulacao.html.

COMISSÃO DE VALORES. Instrução Normativa nº 558 de 26 de Março de 2015. Dispõe sobre o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 26 mar. 2015. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst558.html.

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