A pandemia de covid 19, além da crise sanitária em si, agravou e jogou luz sobre várias questões. Dentre elas, a questão metropolitana. Situações quase caricatas, como a que ocorreu na região metropolitana de Sorocaba, SP, em junho de 2020. Um shopping situado parte Sorocaba e parte em Votorantim, teve que seguir duas regras de funcionamento, porque cada um dos municípios adotou diferentes medidas de prevenção à covid 19. Houve casos de colaboração, como por exemplo, na região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), quando, Niterói e Marica para aliviar pressão sobre seus serviços de saúde, decidiram construir um hospital para atendimento à covid 19 em São Gonçalo. Estes são exemplos das inter-relações entre os municípios dentro de uma região metropolitana durante a pandemia.
Mas, há exemplos para além da crise sanitária, no campo da política, da segurança púbica e do saneamento, por exemplo. É comum que grupos políticos de um município se aliem com outros de outros municípios. Mas, nas eleições do ano passado, alguns desses grupos municipais passaram a disputar espaço em outros municípios, como ocorreu na disputa pela prefeitura de São Gonçalo, e candidaturas a vereador no Rio apoiados por políticos de São João de Meriti, Belford Roxo e Caxias.
A expansão de grupos de milicianos e traficantes também não respeitam fronteiras, conforme mostra o mapa dos grupos armados do Rio de Janeiro, 2019. O mapa é resultado do estudo elaborado em parceria pelo datalab Fogo Cruzado, o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, o Disque-Denúncia e a plataforma digital Pista News.
No início de 2020, e novamente em 2021, a população do Rio de Janeiro, Nilópolis, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Itaguaí e Queimados sofrem com a “crise da geosmina”. Os problemas de qualidade da água decorrem, de ineficiências no tratamento da água, mas, sobretudo, da falta de saneamento nas bacias dos rios Queimados, Poços e Ipiranga, que são afluentes do Guandu, situados nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados.
Esses exemplos ilustram, mas não esgotam, a concretude da RMRJ. No entanto, ela segue como secundária na agenda dos governos estadual e dos municípios. Mesmo na discussão sobre a gestão da crise sanitária, o debate se dá em função da condição de cada município, e não, de uma visão metropolitana.
Essa secundarização é demonstrada também na discussão dos planos diretores. Com base em levantamento feito nos sites das Prefeituras e Câmaras de Vereadores, neste momento, dos 22 municípios da RMRJ, seis tiveram seus planos diretores revistos e aprovados entre 2016 e 2019, um está em vigor até 2021 e outro até 2024. Sete estão em revisão, um vai iniciar a revisão em 2021 e seis estariam com seus planos vencidos. Ou seja, 16 municípios estão revendo ou deverão rever seus planos diretores a curto prazo.
Por outro lado, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDUI) da RMRJ está na Assembleia Legislativa aguardando aprovação. O PDUI ,que foi apresentado em 2018, certamente merece debate e carece de atualização, em função da pandemia e da situação econômica e fiscal do estado e dos municípios. No entanto, seus princípios e objetivos parecem continuar válidos. A busca por uma metrópole mais integrada e equilibrada, e cada vez menos desigual, por meio do fortalecimento e criação de novas centralidades e o fortalecimento de existentes, sugerem um caminho interessante. O que sugere a implementação de projetos de restruturação urbana. Algumas das centralidades a serem fortalecidas ou criadas extrapolam limites municipais. O que, por sua vez, deverá envolver Funções Públicas de Interesse Comum.
No entanto, os processos de revisão dos planos diretores municipais parecem estar ocorrendo sem tomar em conta o PDUI. O que seria uma excelente oportunidade para melhorá-lo, fortalecer a governança metropolitana e ampliar integração entre os municípios. Como parte deste processo deveria ocorrer o aprofundamento do debate sobre as Funções Públicas de Interesse Comum, que dão base para a delimitação das regiões metropolitanas. A pandemia jogou luz sobre várias questões relativas a elas. É preciso aprender as lições oferecidas por essa crise.
Por exemplo, há um debate intenso sobre os transportes públicos na região e seus municípios. Quaisquer que sejam as soluções a serem definidas, elas deveriam tomar em conta uma visão metropolitana, considerando as relações entre as situações intra e intermunicipais. O mesmo raciocínio parece ser válido para as demais funções públicas de interesse comum.
Por seu caráter de longo prazo, os planos diretores metropolitano e municipais podem ter papel fundamental para apontar caminhos para a superação da situação atual, para além da emergência e de modo estruturante.
Dentre os municípios que estão revendo seus planos diretores está o Rio de Janeiro. Por ser o maior em termos de população, arrecadação e economia, o Rio de Janeiro poderia incorporar a questão metropolitana em seu processo de revisão. Assim, poderia desempenhar o papel, junto com o governo estadual, de mobilizar e articular os demais municípios para que levem em conta a questão metropolitana em suas revisões dos planos diretores.
Do mesmo modo, a Alerj poderia promover a discussão sobre o PDUI, de modo a estimular a articulação com os processos de revisão dos planos diretores municipais, uma vez que estes deverão se adequar ao PDUI, conforme previsto no parágrafo 3º do artigo 10º do Estatuto da Metrópole.
A emergência da crise sanitária nos coloca o desafio de sair dela e, tão importante quanto, de traçar estratégias que para superar os velhos desafios que ela iluminou. Articular a elaboração dos planos metropolitano e municipais pode ser um passo fundamental para ampliar a resiliência e reduzir das desigualdades de modo sustentável na RMRJ.
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